sábado, 27 de julho de 2013

A máscara do Rio precisa cair, por Arnaldo Bloch

Enviado por Ricardo Noblat -
27.07.2013 13h59m Geral

A máscara do Rio precisa cair, por Arnaldo Bloch


Arnaldo Bloch, O Globo

Lembro-me bem da manhã ensolarada, dois anos atrás, em que fui visitar o Pavão-Pavãozinho, em Ipanema, que havia virado UPP. Achei interessante, mas estranhei aquela fachada com cara de prédio residencial, o elevador bonito, panorâmico, e o grande corredor estilo sci-fi levando a uma porta, uma simples porta, que, ao abrir-se, dava, finalmente, para a realidade: a favela de sempre, com suas vielas e sua miséria.

Tomava guaraná numa birosca quando se iniciou um tumulto. Nada demais, briga familiar, um primo louco mamado levando um “pedala”. Chamou-me atenção um pitbull solto que resolveu não atacar ninguém, embora tenha me olhado com desconfiança.

De lá para cá, o Rio viveu uma euforia: outros morros libertos, choque de ordem, Copa do Mundo e Olimpíadas no papo, pré-Sal: anunciava-se um ciclo de ouro para a cidade, com explosão hoteleira, maquiagem das praias, Porto Maravilha, BRTs, algo jamais visto, nem quando o Rio era capital.




Foto: O Globo



Cabral não cabia em si. Paes era só paz. Beltrame, o paladino da Justiça. Não havia quem, impunemente, não comprasse a ideia. E quem ousasse dizer um “ai”, pedir prudência, era tachado de inimigo, espírito de porco, na contramão das evidências.

Hoje, passada a primeira onda recente de manifestações (que não foi um fenômeno carioca, mas nacional), parece que a máscara da cidade, saturada por essa bolha de otimismo acrítico, quer cair. Como se tivéssemos saído do túnel mágico do morro ipanemense, abríssemos a cortina do passado e descobríssemos que as mazelas estão todas aí, remexidas pelos exageros, ansiando por uma análise mais pormenorizada, menos marqueteira.

Se não, vejamos. O que vemos? O AfroReggae, símbolo da conexão morro-asfalto, sai praticamente fugido do Alemão. Não é bom sinal. O morro está melhor, virou ponto turístico, com bondinho, mas devagar com o andor: tem boi na linha. O caso Amarildo está aí, a assombrar as noites das famílias.

A palavra pacificação, em que pesem todas as advertências feitas por Beltrame (que várias vezes disse tratar-se apenas de um primeiro passo), tornou-se um termo absoluto que não leva em conta sua outra face: está valendo mais sentar sobre a propaganda que ter a coragem cívica de dar o próximo passo.

O próprio Beltrame, para quem Cabral repassa todas as culpas, agora, da vergonhosa ação da PM diante dos últimos tumultos de rua, já não é mais aquele. Fico imaginando se o rapaz fichado e demonizado rapidinho pela opinião pública fosse de fato processado criminalmente.

O militante, que estava, é bom dizer, na “linha de frente”, já ia se convertendo num Dreyfus carioca, bode expiatório ideal para o agora impopular Cabral despejar sua tendência autoritária (sua fome de inconstitucionalidade ficou clara com a primeira versão do decreto da comissão dos vândalos). No final, com auxílio da engajada, mas útil, Mídia Ninja e de um cinegrafista amador, a farsa caiu por terra numa reportagem do “Jornal Nacional”.

E o que vemos nos transportes, mal o Papa põe os pés na cidade? A completa pane dos trens e metrôs ao primeiro verdadeiro teste de capacidade. E a ignorância sobre o trajeto do pontífice, que podia ter desandado em tragédia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário